Rosalia Vargas: "Turismo científico é cada vez mais atrativo em Portugal"

Enquanto que na Áustria cerca de um terço da população é cético em relação à ciência, como mostram os números atuais do Barómetro da Academia de Ciências de Viena, em Portugal, o país com a maior taxa de vacinação da UE, a confiança na ciência é bastante elevada. Rosalia Vargas, Presidente da Ciência Viva - Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica, visitou recentemente Viena e explicou os motivos para este sucesso. 

Entrevista de Rosalia Vargas, publicada no site da Academia Austríaca de Ciências, aborda a evolução positiva da perceção sobre a ciência em Portugal, impulsionada pelo trabalho da Ciência Viva junto dos cidadãos 

 

Nem sempre foi assim. Em 2005, de acordo com um inquérito do Eurobarómetro, o interesse pela ciência e tecnologia em Portugal era relativamente baixo face à média da União Europeia, à semelhança do que se verificava na Áustria. Mas enquanto o ceticismo em relação à ciência ainda é generalizado neste país, como mostram os números atuais do Barómetro da Ciência da Academia Austríaca de Ciências (OeAW), Portugal saiu-se surpreendentemente bem no último Eurobarómetro europeu de ciência, de 2021.

Que motivos explicam esta mudança? E o que torna a divulgação científica em Portugal tão especial?

Rosalia Vargas foi recentemente convidada pela Academia de Ciências de Viena (OeAW) para um debate sobre esta questão. Em entrevista pubicada no site da OeAW, a Presidente da Ciência Viva, criada em 1996, explica o papel da Agência na construção de uma sociedade portuguesa com mais confiança nas ciências e na mudança de perceção sobre a importância do trabalho dos cientistas. 

 

"Os nossos Centros Ciência Viva têm sucesso porque são próximos das populações", afirma Rosalia Vargas

“Temos de começar pelas crianças”

Enquanto Presidente da Ciência Viva liderou o lançamento de um programa único e inovador de divulgação científica em Portugal chamado Ciência Viva. Pode explicar, em traços gerais, do que se trata?

Rosalia Vargas: Posso contar uma pequena história sobre isso. Foi há 26 anos, em 1996, que o nosso Ministro da Ciência e Tecnologia, José Mariano Gago, lançou o Ciência Viva convidando-me para liderar este programa. A ideia era trabalhar em estreita colaboração com a comunidade científica e as escolas para ancorar a ciência na sociedade. A pergunta mais importante era: como podemos aproximar a ciência das pessoas? Uma das nossas respostas foi: temos de começar pelas crianças. A escola é o melhor lugar para trabalhar com as gerações mais jovens e estimular a sua curiosidade, especialmente em relação à ciência. Para muitos alunos, é a única forma de terem um contacto direto com a ciência antes de saírem da escola.

O que aconteceu depois?

Rosalia Vargas: Começámos por lançar um convite às escolas para apresentação de propostas, com uma particularidade: era exigido que nesses projetos os professores trabalhassem em conjunto com os cientistas. O objetivo era construir parcerias entre as escolas e a comunidade científica. As parcerias são muito importantes porque ninguém sabe o suficiente para fazer tudo sozinho. Isto também se aplica a nível internacional.

Isso significa que a Ciência Viva teve o apoio do poder político desde o inicio?

Rosalia Vargas: Sim. Esses projetos foram iniciados e apoiados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Para trabalhar com as escolas, fizemos uma parceria com o Ministério da Educação, mas de forma muito aberta. O apoio financeiro da Comissão Europeia, através do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, também foi muito importante.

Cada Centro Ciência Viva é diferente

No coração da Ciência Viva estão os centros de ciência espalhados por todo o país e em territórios de baixo acesso ao conhecimento. Esta é uma forma de chegar a um público que de outra forma se sentiria pouco impactado pela ciência?

Rosalia Vargas: Os Centros Ciência Viva são museus com uma abordagem que se inscreve na moderna museologia. São muito interativos, abertos, atuais e sempre com o olhar na ciência no futuro. Têm sido criados em parceria com instituições científicas, universidades, politécnicos e autarquias locais. São bem-sucedidos porque estão próximos das pessoas e instalados em edifícios importantes para a comunidade local, como uma antiga mina, uma igreja, um mosteiro, uma fábrica e até uma antiga prisão. Todos os Centros Ciência Viva são diferentes uns dos outros e há uma razão importante para visitarmos cada um deles.

Paralelamente, criámos um programa de turismo científico para promover visitas a toda a Rede Nacional de Centros – os Circuitos Ciência Viva. O programa inclui um cartão de entrada comum, suportado por uma app e um guia. Além da visita aos centros de ciência, o visitante pode optar por uma grande diversidade de atividades oferecidas por mais de uma centena de parceiros na área da restauração e do lazer, tornando o turismo de ciência cada vez mais atrativo em Portugal.

 

CONHECIMENTO ESPECIALIZADO SOBRE TEMAS DE INTERESSE DOS CIDADÃOS

No mais recente inquérito do Eurobarómetro que, entre outras perguntas, questionou sobre a perceção face à investigação e ao conhecimento científico, Portugal manteve-se consistentemente no topo. Na Áustria, os números foram catastróficos. A Ciência Viva também alterou a forma de falar sobre ciência?

Rosalia Vargas: Durante muitos anos, Portugal esteve na cauda dos resultados do Eurobarómetro. Mas o Eurobarómetro de 2021 mostrou uma mudança notável. Porquê? Porque começámos há 26 anos e não parámos. Leva uma geração para mudar, não é uma coisa rápida de se fazer. Mas atualmente os portugueses confiam na ciência e nos cientistas. Dizem que querem saber mais sobre ciência e tecnologia e querem saber mais dos cientistas.

A coisa mais poderosa para conectar as pessoas é um bom programa. E neste ponto a colaboração com a comunidade científica tem sido fundamental.  A probabilidade de encontrar um cientista num centro de ciência é muito elevada, os cientistas dão palestras e trabalham em conjunto com as equipas da Ciência Viva. Os Centros Ciência Viva são espaços muito dinâmicos nos quais os cidadãos podem aprofundar os seus conhecimentos sobre temas relevantes, como a pandemia ou questões relacionadas com saúde, clima ou economia.

Portugal também foi recordista na taxa de vacinação durante a pandemia. Vê alguma relação entre esta realidade e o vosso trabalho na área da literacia científica?

Rosalia Vargas: Claro que não pode ser vista como a única causa, mas acreditamos fortemente que existe uma ligação, porque os cidadãos portugueses confiam na ciência e nos seus cientistas. A confiança é um elemento crítico para aproximar a ciência e a sociedade.

 

A entrevista à OeAW foi publicada a 6 de fevereiro, no site da Academia Austríaca.


Rosalia Vargas é Presidente da Ciência Viva e Diretora do Pavilhão do Conhecimento. Desde 1996, tem coordenado a criação da rede de Centros Ciência Viva em todo o país.

Foi Presidente (2013-2015) do ECSITE - European Network of Science Centres and Museums, com sede em Bruxelas, e é membro do board do ASTC - Association of Science-Technology Centers, com sede em Washington DC.

O seu desenvolvimento académico e profissional cobre as áreas da educação, media, governança política e cultura científica e tecnológica.

Foi vereadora da Educação, Juventude e Cultura da Câmara Municipal de Lisboa (2007-2009), foi membro do Conselho Nacional de Educação, membro do Conselho Geral da Universidade Aberta, membro do Steering Committee of EMME - Euro-Mediterranean and Middle East Science education project, e membro do "Grupo de Projeto Museus do Futuro", criado pelo Ministério da Cultura. É também membro do Conselho Consultivo de Acompanhamento do Plano Nacional das Artes.

 

09-02-2023