Metano em Marte Ressuscita a Esperança na Existência de Vida no Planeta Vermelho

Há já algum tempo que não se ouvem os cientistas a falar seriamente de vida em Marte. Desde as condições inóspitas reveladas pelas sondas Viking em meados dos anos 70, às dúvidas acerca das formações semelhantes a rios, à ascensão e queda do caso dos fósseis no meteorito marciano, os investigadores aprenderam a não ter muitas esperanças.

Assim, quando as equipas de investigação foram anunciando, ao longo do último ano, que detectaram metano na atmosfera marciana, a reacção foi tão cautelosa que era impossível perceber quão revolucionária pode ser esta descoberta. Durante décadas, o metano esteve próximo do topo da lista de biomarcadores (substâncias cuja presença é um possível indicador da presença de vida). A ideia de o encontrar em Marte era tão improvável que muitos investigadores assumiram a descoberta como um erro.

Mas esta reacção deixou de ser possível. Na passada quinta-feira (11 de Novembro), na reunião anual da Divisão para a Ciência Planetária (DPS – Division for Planetary Science) da Sociedade Astronómica Americana (American Astronomical Society), o astrónomo Michael Mumma do Goddard Space Flight Center (NASA) apresentou provas dificilmente refutáveis de que o gás metano realmente existe em Marte. Pode-se vir a demonstrar que a sua origem é não-biológica, mas uma fonte viva é igualmente plausível. “Digo-vos honestamente: estou chocado”, disse Mumma aos seus colegas. “Não estávamos à espera disto”.

O que torna o metano tão interessante é o facto de ser um gás instável. Na Terra, uma molécula de metano libertada para a atmosfera é normalmente desintegrada pela radiação ultravioleta do Sol em cerca de 10 anos. Em Marte, mais longe do Sol, a molécula dura cerca de 300 anos. A persistência do gás na nossa atmosfera indica que tem sido reposto – no caso da Terra, maioritariamente por bactérias.

Há décadas que se procura metano em Marte , mas o melhor resultado era nulo, o que implicava que a concentração do gás nunca poderia ser superior a 20 partes por bilião* (ppb). Na reunião de 2003 da DPS, Michael Mumma anunciou os primeiros indícios de uma detecção positiva, baseada em dados obtidos no início daquele ano em dois telescópios: o telescópio de infravermelhos da NASA no Havai e o telescópio Gemini South, no Chile. Michael Mumma não quis enviar nenhum comunicado de imprensa e pediu aos poucos jornalistas que repararam nestes resultados para não publicitarem a descoberta até ele e os seus colegas a confirmarem. Antes de o poderem fazer, dois outros grupos de investigação anunciaram descobertas semelhantes. Um deles, liderado por Vladimir Krasnopolsky, da Universidade Católica, obtiveram os dados no telescópio Canadá-França-Havai em 1999. O outro, liderado por Vittorino Formisano do Instituto Italiano de Física e Espaço Interplanetário, usou um instrumento da Mars Express da ESA. Ambos encontraram uma concentração do gás de 10 ppb em média sobre cada um dos hemisférios. A Mars Express conseguiu focar-se em regiões específicas do planeta e calcular concentrações até 40 ppb.

Mas a detecção de Krasnopolsky mal subiu acima do ruído e ambas as descobertas baseavam-se numa única linha espectral, a qual poderia resultar do mimetismo de outros gases. O que é espantoso no trabalho da equipa de Mumma é o facto dos dados obtidos pelo telescópio Gemini mostrarem metano em duas linhas espectrais diferentes, com uma impressionante razão sinal/ruído de 20 ppb. “Estes resultados não se podem dever a erros de medida”, diz Mumma.

O que eleva esta descoberta de gratificante para impressionante é a quantidade de metano detectada por Mumma e os seus colegas. Eles varreram várias latitudes e longitudes à volta de regiões famosas como Valles Marineris, Hellas Basin e Elysium Planitia. Nas latitudes mais altas, mediram cerca de 50 ppb; perto do equador, 250 ppb ou mais. Estes valores são bastante mais elevados que os dos outros grupos. A equipa de Michael Mumma considera que a discrepância reflecte a forma como as equipas avaliaram as suas medições. As concentrações altas nos trópicos marcianos sugerem que o metano está a ser libertado activamente. “Acho q poderá existir metano que está a ser libertado da base da camada de permafrost, percolando até ao topo onde é aprisionado, movendo-se depois lateralmente e saindo pelas faces das escarpas, diz Mumma.

A origem do metano continua a ser um mistério. Krasnopolsky inclina-se para uma interpretação biológica. Calcula que a concentração de metano possa ser produzida por um ecossistema bacteriano de aproximadamente 20 toneladas, o que pode parecer uma quantidade incrível de bactérias, mas que é muito pouco à escala planetária. Acabam por ser uns quantos oásis de micróbios tentando sobreviver num mundo inóspito, o que seria coerente com aquilo que os investigadores já sabem sobre Marte.

Sushil Atreya, da Universidade do Michigan, membro da equipa da Mars Express, diz que é possível que sejam seres vivos, mas que não é definitivo. Ele considera que o mesmo resultado pode ser explicado por processos geotérmicos. À temperatura de 100ºC, que é naturalmente atingida no interior no planeta, a água pode reagir com rochas ricas em ferro ou magnésio e libertar hidrogénio, que depois se combina com dióxido de carbono para originar metano. O mesmo mecanismo pode estar na base da abundância de metano, ainda por explicar, em Titã, satélite de Saturno.

Entretanto, a Mars Express continua a reunir dados. Até finais de 2005, deverá ter completado um mapa do metano em todo o planeta. A sonda irá, ainda, analisar a subsuperfície com o seu radar. O feixe consegue penetrar vários quilómetros, mais do que suficiente para atingir a profundidade à qual ocorre a actividade hidrotermal.

Descobrir a fonte do metano, contudo, irá provavelmente requerer medições das variações isotópicas do metano, o que é difícil de fazer a partir das órbitas da Terra ou de Marte mas que deverão ser possíveis com veículos que aterrem na superfície ou telescópios espaciais que estão agora a ser pensados. A ideia de um Marte vivo vai continuar a entusiasmar os investigadores durante os próximos anos.

* bilião americano = 1 milhar de milhão

George Musser – Scientific American.com

Tradução: Ciência Viva